DO DÍZIMO NEOLIBERAL AO CHEQUE EM BRANCO

Às acusações do seu contendor, de que o PSD, afinal – como toda a direita – não tem propostas para subir salários e baixar os custos da habitação, Montenegro respondeu com o mantra costumeiro dos neoliberais: “primeiro é preciso produzir riqueza”, depois distribui-se.

Esta desculpa funciona para a política como o dízimo para a Igreja: “minha menina, pagas agora, o senhor retribuir-te-á mais tarde”! A verdade, é que não se conhecem grandes exemplos que não sejam os de sempre: a “retribuição” para os mesmos de sempre.

Onde falha então o dízimo neoliberal? O dízimo neoliberal, bem vistas as coisas, é muito mais do que um dízimo, uma vez que, se um trabalhador recebesse, em média, 1/10 do que produz, estaríamos todos muito melhor.

Este dízimo falha onde falha o dízimo da Igreja: não se estabelecendo, à partida, as condições da retribuição. O que fazem os vigários, sejam os neoliberais, sejam os das igrejas neoliberais também, é dizer qualquer coisa como: “primeiro dás-me a riqueza, depois eu retribuo-te… Nas condições que eu entender, mais tarde”. Essas condições nunca são assumidas. E não o são por uma razão simples: porque o fundamental neste conto é esconder-se a opção de classe que lhe está subjacente.

Em si, esta assunção de que “primeiro tem de se produzir a riqueza”, nada tem de errado. Ninguém poder distribuir o que não tem. Contudo, o que se pretende com esta atoarda, não é transmitir um lugar comum, válido aqui, na China ou em Marte. O que se pretende com esta redundância, co este lugar comum, é fugir da discussão que interessa: quais são os termos de partida para a redistribuição da riqueza produzida? Ou, quando essa riqueza existir – e vai existir – como vamos reparti-la?

Assim, esta redundância visa fugir às questões fundamentais e que deveriam interessar ao debate político. Ao invés, a direita, pretende um choque em branco, do tipo: “trabalhadores, votem em mim, trabalhem, produzam, que eu garanto que, mais tarde, serão retribuídos”! Assim, sem mais! Como se assinássemos um contrato de trabalho sem salário, e que dissesse: o teu salário é pago quando produzires e nos termos que logo veremos!

Trata-se então de um pretexto para não se discutir a justiça social, a justa repartição a riqueza. Mas, quando confrontada com a realidade histórica que vivemos, este chavão, torna-se ainda mais impreciso e aterrador para quem trabalha e produz a riqueza. É que a riqueza é produzida com o trabalho! Venha lá quem vier.

Num tempo em que a concentração de riqueza atinge limites impensáveis há 30 ou 40 anos, o que demonstra que a riqueza é produzida, mas não redistribuída em termos justos; num tempo em que ameaçam subir ao poder as forças mais reaccionárias da história humana, cuja governação nada augura de bom para quem trabalha e vive dos rendimentos do trabalho; num tempo em que persistem e se agravam os problemas socioeconómicos estruturais e no qual o desenvolvimento tecnológico é usado para suprimir profissões bem remuneradas, mantendo as mais perigosas, fisicamente exigentes e mal remuneradas… Nada, mesmo nada, no enquadramento institucional, político e normativo que vivemos aponta para que, uma vez produzida a riqueza, ela seja bem redistribuída. Daí o cheque em branco.

Mas nãos e ficam por aqui as contradições. As propostas que o PSD apresenta, avulsas e à chico esperto – ainda não aprovou o programa por estar à espera de ver o que lá colocar para chegar ao poder a qualquer custo -, no caso concreto do aumento da liquidez salarial dos jovens, da fiscalidade das empresas, saem directamente do rol de propostas que a CIP – Confederação Empresarial de Portugal – fez chegar á concertação social.

Ora, quando olhamos para o trabalho que a concertação social tem feito, em especial, a partir de 2003, quando as propostas patronais passaram a marcar de forma absoluta – e com o beneplácito da UGT – a agenda político-laboral, o que assistimos é à estagnação salarial, ao aumento dos subsídios para o patronato à custa da degradação dos serviços públicos, à desregulação das relações de trabalho, a um ponto, que destrói toda e qualquer coesão social, entre muitas outras malfeitorias. Ou seja, a riqueza foi produzida, mas, uma vez mais, não foi justamente redistribuída.

De forma recorrente, o patronato aponta para a retribuição do trabalho em função da produtividade, o que é mais uma falácia. É uma falácia, primeiro, porque não é em função da produtividade que deve ser feita a redistribuição, mas sim em função de critérios de justiça social, que impeçam a concentração de riqueza e a acumulação doentia de capital, por parte de junkies financeiros, que arrasam a vida dos trabalhadores; depois, porque, mesmo nesse campo, a ter-se calculado a retribuição com base nos ganhos de produtividade, o salário mínimo já teria, há muito, ultrapassado os mil euros mensais, em Portugal.

Acresce, que, o cheque em branco, o conto do vigário, a venda da banha da cobra, em que consiste o “primeiro temos de produzir a riqueza”, apaga da discussão a divisão justa da riqueza já existente e mal distribuída: perdões, isenções e créditos fiscais ao grande capital; IRC mais baixo para a banca; a maioria dos movimentos especulativos em bolsa continuam sem ser englobados no IRS; as PPP’s que comem mais de mil milhões por ano em rendas garantidas; a EDP que não paga o IMI das barragens, e por aí fora, num sem número de casos e euros que continuam a fugir à malha de um discurso verdadeiramente democrático, que cada vez menos é praticado.

Temos então que, o programa da direita e do PSD é o mesmo de sempre: retirar aos pobres para dar aos ricos, um Robin Wood ao contrário. E não tendo mais nada para apresentar, senão isto, contam, pelo menos, com a comunicação social dos seus financiadores, para os catapultar para o poder.

É que o cheque é branco que pedem ao povo, apenas é “em branco” para quem trabalha. Para os interesses que os financiam, o cheque é bem chorudo e está bem parametrizado: baixar os impostos a quem os paga; e quem os paga? Os mais ricos…. Claro! Daí tanta conversa com os impostos!

O mais grave é quês e vêem trabalhadores que ganham 800 euros a dizer “pagamos tantos impostos”, quando os que pagam são pouquíssimos, quer porque quase não pagam IRS, quer porque o IVA que pagam, incide sobre bens essenciais, a taxa reduzida, na sua grande parte. Mas vão na cantiga.

Ou pequenos empresários, a dizerem: “ai que tantos impostos”, quando dão prejuízo quase todos os anos e, nesse caso, não os pagam também.

Então quem os paga? Paga a classe trabalhadora – “média” -, a qual à custa das políticas do cheque em branco, principalmente no século XXI, está à beira de desaparecer, e as grandes empresas, as mesmo muito grandes. Estas últimas, pagam a carroça onde segue o vendedor de banha da cobra, os primeiros, compram a banha da cobra e o resultado é: salários cada vez mais baixos, serviços públicos cada vez mais degradados; custos cada vez mais elevados com saúde, habitação, medicamentos…

E tudo isto porque existe uma tendência – normativa e política – para manter o país dentro desta falácia. É que não existe nenhum país que se desenvolva sem um estado que tenha capacidade para investir e criar condições para o desenvolvimento. Essa capacidade estatal, colectiva, social, sós e consegue de duas formas: 1. Através dos impostos, concretamente de uma política fiscal justa que promova o mercado interno, a inovação e premeie a produtividade e não a preguiça e subsidiodependência patronal; 2. Através do controle público da propriedade de sectores estratégicos para a criação e riqueza, como a energia, infra-estruturas essenciais, banca e outros…

Agora, quando se ataca a propriedade público através das privatizações, alimentando uma elite capitalista preguiçosa e ociosa, que nada mais procura que dinheiro fácil, ou quando se baixam as receitas públicas, reduzindo os impostos de quem os paga! O resultado? Como o grande capital só investe pela certa; como o grande capital não investe em infra-estruturas, centros de investigação, educação e formação, ou seja, em factores fundamentais; como o estado fica sem dinheiro para o poder fazer… O resultado estará à vista, como está à vista em todo o ocidente, com economias anémicas, infra-estruturas degradadas e estados endividados.

E depois disto tudo, de 30 anos de “primeiro temos de produzira riqueza” … Querem mais, porque não sabem outra!

Que tal redistribuir a que existe, ao mesmo tempo quês e produz riqueza nova?

Não? Não! Claro que não!

Nós sabemos…. É por isso que é só um conto do vigário!

E ainda temos de os ouvir – estes imbecis – a querer-nos dar lições de história, sobre supostos “regimes falhados”, quando o deles está à beira do colapso e, mais grave, ao contrário dos outros, este faz-se colapsar por si próprio! Sem concorrência!

É o que dar a gestão dos nossos destinos a uma burocracia não eleita, em Bruxelas; ao serviço de ociosos junkies financeiros que estão num plano tão selvagem que regozijam com o simples facto de acumularem capital, apenas com o objectivo de… o acumularem!

Acabarão por si próprios, porque tudo o que é inútil é, pela natureza, eliminado!

É de mestre!

Hugo Dionísio

https://t.me/canalfactual

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